Planejamento Tributário e Proteção Patrimonial nas Reorganizações Societárias

por Tarcísio Lenfers
em 29/09/2009 

As reorganizações societárias são movidas, em sua maioria:

(1)     pela necessidade ou desejo dos sócios de preparar a sucessão patrimonial ou administrativa das empresas,

(2)     pela retirada, das empresas, de bens e direitos não vinculados diretamente ao seu objeto social ou atividade preponderante, combinada com a proteção patrimonial,

(3)    para adequar a empresa e sua administração / monitoramento às práticas de Governança Corporativa,

(4)    para simples “planejamento tributário”.

Independentemente do grau de importância dos principais motivos relacionados acima, o quarto motor das reorganizações societárias está propositalmente grafado entre aspas porque, no mais das vezes, sociedades são submetidas ou se submetem a malabarismos jurídicos e emaranhados de atos societários e contábeis desprovidos de bom-senso ou com fundamentos no mínimo inconsistentes e duvidosos. Tais “planejamentos tributários” e “reorganizações societárias” resultam a médio ou longo prazo verdadeiros calcanhares de Aquiles das empresas sob os pontos de vista tributário, financeiro, jurídico e societário, em razão de contingências (riscos) não avaliadas ou não informadas corretamente no momento oportuno. Quando pouco, as consequencias negativas incluem a substancial redução do valor de mercado da empresa e o afastamento de investidores diligentes.

Para ilustrar, citamos dois exemplos dentre os inúmeros casos de “planejamentos tributários” malsucedidos com que nos deparamos em nossa jornada acadêmica e profissional. Num caso antigo, a criação equivocada e posterior tratamento inadequado da então “Reserva de Reavaliação” em uma empresa, por um lado, alcançou o benefício contábil e societário pretendido pelos sócios, mas provocou a antecipação do pagamento de vários milhões de reais em Tributos Federais.

No segundo exemplo, antigo também, determinado contribuinte imune de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU foi induzido a constituir sociedades empresárias limitadas incorporando ao capital das novas empresas vários imóveis de grande valor econômico. Os renomados (mesmo) consultores foram remunerados proporcionalmente ao “êxito”, ou à “economia tributária gerada pelo planejamento tributário”, pois os imóveis, sendo incorporados ao capital das novas sociedades, não estariam sujeitos à cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. O contribuinte soube somente no ano seguinte que as novas sociedades, desde sua constituição, não gozavam do benefício da imunidade tributária e o montante do IPTU daqueles imóveis foi superior ao valor do ITBI “economizado” já a partir do segundo ano, além das novas sociedades estarem sujeitas à incidência do Imposto Sindical com base no seu capital elevado.

Sabemos que estes são exemplos extremamente simples, quase anedóticos, e que os problemas poderiam ter sido facilmente identificados e corrigidos por bons Contadores ou Consultores Tributários experientes a partir de uma análise rápida e superficial. Porém, é justamente nas operações aparentemente mais simples que ocorrem os maiores prejuízos proporcionais decorrentes de falhas em “planejamentos tributários” e “societários”, independentemente do porte das empresas e da “grife” dos seus consultores. Infelizmente tais situações são constatadas apenas após a empresa experimentar prejuízo jurídico ou tributário de grande monta e muito pouco ou nada pode ser recuperado.

Tão certo quanto a elevada carga tributária merece muita atenção e administração cuidadosa por parte das empresas e seus consultores internos e externos, é certo que as pesadas punições por atos eivados de vícios ou de sustentabilidade jurídica improvável frequentemente ultrapassam a seara financeira para alcançar a liberdade de administradores e seus consultores, podendo mesmo resultar na quebra de empresas e empresários incautos e processos demasiadamente onerosos e desgastantes.

Estimulamos a análise e o planejamento tributário contínuos e ininterruptos, mas advertimos sobre os “planejamentos enlatados” e “milagres fiscais-tributários”, muito populares tanto pela excessiva oferta às portas das empresas e pela mídia em geral, quanto pelo resultado das investigações conduzidas pelo Fisco e pela Polícia Federal, somente divulgados após decorridos vários anos do seu início, com notificações fiscais de elevada monta e inúmeros mandados de prisão expedidos e cumpridos. O bom senso não se contrapõe à criatividade nem ao arrojo responsável da administração, mas evita que vantagens tributárias auferidas em dado momento se transformem em dores de cabeça e prejuízos.

É certo que as reorganizações societárias afetam ou podem afetar várias áreas (funções) da empresa: administrativa, contábil, financeira, comercial, jurídica e principalmente tributária. Para propor Reorganizações Societárias seguras e eficazes é imprescindível ponderar vantagens, desvantagens e riscos em cada uma das funções da empresa, bem como analisar, simular e avaliar os efeitos das novas interações entre as funções empresariais em face das alterações ocorridas em cada uma delas. Disso resulta que as soluções devem ser personalizadas à cultura, necessidade e oportunidade da empresa.

Porém, o processo descrito no parágrafo anterior, se não conduzido adequadamente, pode transformar-se numa armadilha teórico-filosófica, onde uma ação proposta (a reorganização societária) tem seus efeitos analisados e o resultado dessa análise propõe alterações na ação original, cujos efeitos são novamente analisados e sugerem novas alterações, repetindo-se indefinidamente num dos melhores – e extremamente prejudiciais – exemplos de círculo vicioso.

Para alcançar a objetividade, rapidez e eficácia pretendidas, é imprescindível que os agentes da Reorganização Societária conheçam profundamente a empresa e seu relacionamento com empregados, fornecedores, clientes, investidores, bem como o relacionamento dos sócios controladores entre si e com os minoritários e a legislação aplicável a cada aspecto dos planejamentos societário, tributário e patrimonial. Os principais agentes são os órgãos administrativos e fiscalizadores da empresa, além dos sócios controladores e demais pessoas com influência sobre as decisões e estratégias corporativas, nestes incluídos os consultores e assessores externos e internos.

A Consultoria Societária deve atuar para que os agentes da Reorganização Societária trabalhem em sinergia, fornecendo ou disponibilizando informações entre si e com uma equipe multidisciplinar capaz de auxiliá-los desde as análises preliminares até o desenvolvimento do projeto de Reorganização Societária e sua implementação. Como não existem soluções prontas ou mágicas, profissionais experientes na identificação e solução de conflitos societários, familiares e tributários tendem a acelerar todo o processo e auxiliar na solução dos impasses tão comuns nesses movimentos societários, substituindo-os pela segurança patrimonial, pelos ganhos e vantagens tributárias competitivas e juridicamente sustentáveis.

Desta forma, a Reorganização Societária produzirá resultados consistentes e valiosos tanto para a Sociedade quanto para seus controladores e patrimônio individual, sócios minoritários, empregados, fornecedores e clientes, traduzidos pelos ganhos financeiros decorrentes da racionalização administrativa, contábil, financeira e tributária. Sem surpresas.